(Poemas sem sentido, MARIA HELENA, Lisboa (Porto - Imprensa Portuguesa, 1952, 122 páginas)
Capa de Nuno António
Ex-libris de Álvaro Duarte de Almeida
POEMAS SEM SENTIDO
À memória de meu Avô
Francisco Rodrigues Vaquinhas
- o doce velhinho que, já vencido
pela morte, ainda conseguiu forças
para dizer o meu nome...
SÚPLICA À MORTE
(Durante a longa e lenta agonia de meu Avô)
Não demores! Não demores!
Sinto-te ao pé de mim, nos móveis, ns esquinas,
Roubando ar aos meus pulmões.
Bem vejo que te escondes nas pregas das cortinas
E que os espelhos reflectem num contorno indeciso
O teu perfil sem feições.
Andas na sombra dos meus passos
Devagar, devagar
Nas sem hesitação
E cruzando no peito os descarnados braços,
Sentas-te junto a mim na mesa de jantar
E quase comes o meu pão.
No sossego profundo da noite moribunda
A tua presença é mais acentuada,
Pois deixas agarrado ao silêncio das coisas
Um cheiro acre e viscoso a terra esfomeada.
Não posso ver as tuas mãos
Entre sombras que a noite dilatou,
Mas inda há pouco ouvi o eco das tuas passadas
No rumor dum tapete que ninguém pisou.
Quando a manhã fremente
Irrompe das janelas
Num ímpeto de luz,
Tu ficas a olhar, serenamente,
Entre as pálpebras semicerradas
Dum Cristo agonizando numa cruz.
As paredes que olhavam com olhar parado,
Têm uma expressão não sei de que pavores,
De que íntimo abandono,
E nas jarras, alheias a qualquer cuidado,
Sem razão curvam-se as flores
E desfolham-se num prematuro Outono.
E almas e coisas esperam doloridamente.
E o relógio caminha sem pressa, sem pressa...
Em tudo se insinua a cor negra do presente
E em nada se vislumbra o tom duma promessa.
O ruir dos minutos (horas em agonia)
Não chega a ser sereno nem convulso.
E de encontro ao Sol-posto foi-se puindo o dia
E diminuindo a vida naquele débil pulso.
E tu vais aumentando a tua presença de gigante
E enches a transbordar todas as casas.
E aquele cérebro quase apagado e vacilante
Talvez compreenda ainda que lhe vão nascer asas...
Não demores! Não demores!
Aparece de vez! Cria formas e sangue!
Não te escondas em cada lado
Que inda há bem pouco te vi.
Eu posso amortalhar aquela carne exangue...
Eu posso ver partir aquele corpo amado...
...Mas já não posso mais esperar por ti!!!
25/1/1952 - (Das 18 às 23,30)
Sinto-te ao pé de mim, nos móveis, ns esquinas,
Roubando ar aos meus pulmões.
Bem vejo que te escondes nas pregas das cortinas
E que os espelhos reflectem num contorno indeciso
O teu perfil sem feições.
Andas na sombra dos meus passos
Devagar, devagar
Nas sem hesitação
E cruzando no peito os descarnados braços,
Sentas-te junto a mim na mesa de jantar
E quase comes o meu pão.
No sossego profundo da noite moribunda
A tua presença é mais acentuada,
Pois deixas agarrado ao silêncio das coisas
Um cheiro acre e viscoso a terra esfomeada.
Não posso ver as tuas mãos
Entre sombras que a noite dilatou,
Mas inda há pouco ouvi o eco das tuas passadas
No rumor dum tapete que ninguém pisou.
Quando a manhã fremente
Irrompe das janelas
Num ímpeto de luz,
Tu ficas a olhar, serenamente,
Entre as pálpebras semicerradas
Dum Cristo agonizando numa cruz.
As paredes que olhavam com olhar parado,
Têm uma expressão não sei de que pavores,
De que íntimo abandono,
E nas jarras, alheias a qualquer cuidado,
Sem razão curvam-se as flores
E desfolham-se num prematuro Outono.
E almas e coisas esperam doloridamente.
E o relógio caminha sem pressa, sem pressa...
Em tudo se insinua a cor negra do presente
E em nada se vislumbra o tom duma promessa.
O ruir dos minutos (horas em agonia)
Não chega a ser sereno nem convulso.
E de encontro ao Sol-posto foi-se puindo o dia
E diminuindo a vida naquele débil pulso.
E tu vais aumentando a tua presença de gigante
E enches a transbordar todas as casas.
E aquele cérebro quase apagado e vacilante
Talvez compreenda ainda que lhe vão nascer asas...
Não demores! Não demores!
Aparece de vez! Cria formas e sangue!
Não te escondas em cada lado
Que inda há bem pouco te vi.
Eu posso amortalhar aquela carne exangue...
Eu posso ver partir aquele corpo amado...
...Mas já não posso mais esperar por ti!!!
25/1/1952 - (Das 18 às 23,30)
DUAS HORAS MAIS TARDE
Quando chegaste (e a chuva sem parar!)
Ainda vibrava no espaço o eco do meu grito.
Chegaste sem rumor, cobardemente,
No sossego duma hora mal adormecida,
Insensível como um pedaço de granito.
Chegaste, quando o meu corpo fatigado
Por vigílias constantes e sobressaltos fundos
Procurava o refúgio dos lençóis.
A tua mão roubou-me a um descanso apenas começado,
Essa mão que imobiliza mundos
E apaga sóis.
(E a chuva sem parar!)
Chegaste, quando a minha alma inteiramente ao abandono
E adormecida,
Por momentos esquecera a coluna e o açoite.
Chegaste quando a minha vida quase não era vida,
Aproveitando a traição do sono
E a conivência da noite.
Chegaste, quando o meu desejo ainda se erguia
Sequioso não sei de que estranhas sedes,
E a minha voz tràgicamente escorria
No rosto liso das paredes.
(E a chuva sem parar!)
Chegaste, quando a amargura de todas as desgraças
Amortalhava as horas
E desdobrava-as em abrolhos.
(E o ruído da chuva batendo nas vidraças
Tornava sonoras
As lágrimas que corriam dos meus olhos.
E vencida de assombros e de agonias
Perante essa insistência monocòrdicamente cava,
Eu não sabia
Se era a chuva a fazer-me companhia,
Se era Deus que chorava.
Chegaste, fechando um destino e abrindo uma data,
Quando ainda queimava a minha boca insensata
A súplica brutal da libertação.
(E a chuva sem parar!!)
Fui eu que te chamei e gritei que viesses
Que eu não podia vê-lo em sofrimento imerso.
E ti que não ouviras todas as outras preces,
Ouviste a oração que eu te rezei em verso.
Fui eu que arremessei para os teus frios braços
A sua carne antecipada.
Fui eu que lhe travei os passos
E lhe vedei a entrada.
(E A CHUVA SEM PARAR!!!)
Fui eu! Fui eu! Numa ansiedade atroz
Roguei que o acolhesses no teu seio profundo
E o cobrisses com o teu manto de viúva.
Mas agora que me ouviste a minha voz
E o levaste contigo deste mundo,
Endoideço de mágoa, de remorso e de chuva!
POEMAS SEM SENTIDO
Sim, Poemas sem Sentido!
Indefinidos como cada momento indefinido.
Folhas do mesmo tronco
Que o vento arranca sem dó:
Umas, sobem às Alturas,
Outras, rastejam no pó.
Cantar! Cantar ao Sol! Perdidamente!
Numa alegria tonta!
Sem disfarces, olhando o Sol de frente- As asas bem abertas, ponta a ponta!
No rosto uma expressão garrida,
Em cada olhar a chama duma Estrela,
Que a vida é bela porque é vida
E porque eu sei vivê-la.
O mal e a dor? Coisas de pouca monta!
É preciso viver a hora presente,
As asas bem abertas, ponta a ponta,
E na embriaguez duma alegria tonta,
Cantar! Cantar ao Sol! Perdidamente!
CANÇÃO
Sobre os ombros despidos...
E são milhentas mãos
Afagando os meus ombros
E os meus sentidos
E os meus sentidos
Adormecidos
Acordam desgrenhados e revoltos,
Como as milhentas mãos
Dos meus cabelos soltos.
SOLTEI OS MEUS CABELOS...
Feitas em cinza morta
As brasas
Que a minha alma ateou!
Mas não importa:
A morte me dará asas
Que a vida me tirou!
COMPENSAÇÃO
Eu não disse sim ou não
E foi o tempo que fez
Da minha irresolução
Um talvez...
CONSEQUÊNCIA
Vê se consegues realizar o sonho
Que dentro em ti se expande.
Se falhaste uma vez, tenta outra vez,
Que a vida não é mais que um talvez muito grande...
...Um enormíssimo talvez!
TENTATIVAS
Não vou por muito que me puxem...
Por muito que me empurrem...
Soltem os meus cabelos
E arrastem-me por eles...
Levantem o meu corpo
E levem-no suspenso nos braços...
Neguem-me o chão que piso
E as paredes deste mundo...
Ceguem-me para que não veja o Sol...
Destruam a minha carne mortal...
Despedacem o meu corpo finito...
Que mesmo sem corpo,
Nem Céu, nem mundo,
Apesar disso... eu fico!...
RESISTÊNCIA
O vento beijou-me a boca!
Depois, partiu, de longada,
E todo rubro de amor
Foi-te contar o sabor
Da minha boca beijada.
BEIJO
Vento que passas e me vês penar,
- Alma chagada no mais duro espinho -
Não contes nada às pedras do caminho,
Que eu não quero que as pedras
Comecem a chorar...
SAUDADE
A Lua beija o caminho
E o vento põe-se a ralhar:
Ó vento: fala baixinho,
Deixa-me ouvir o luar!
PAISAGEM NOCTURNA
No resplendor do dia
Eu sinto-me tentada
A mergulhar a minha carne nua
No líquido perfume da maresia.
Depois, furtar-me às mãos lascivas
Das ondas que rolaram uma a uma,
Trazendo ainda à flor da pele salgada
Pedaços de algas vivas
E dedadas de espuma...
MARINHA
Ó fitas do meu cabelo
Levezinhas e bonitas!
(Vida alegre, de menina...)
Tão mudada a minha sina,
Ó meu cabelo sem fitas!
CAMINHO ANDADO
Deitei fora o meu dia:
Não o vivi.
Aproveitei apenas uns momentos
Nos versos que escrevi.
E no entanto amanhã
Quando for obrigada a ir-me embora,
Ai! que pena tão grande deste dia
Que não vivi
E deitei fora!
CERTEZA ANTECIPADA
Não forces a tua sina.
Vive tranquila e pequena,
Que a vida é como a morfina:
Faz sonhar, mas envenena.
NATURALIDADE
As rosas murcharam todas
Que as mordeu o vento Norte.
E a vida tornou-se feia,
Mas feia que a própria morte.
Mas tu olhaste-me a alma
E eu fiquei maravilhada,
Ai! como a vida é bonita
Mesmo sem rosas nem nada!
APONTAMENTO
Não tenho fome.
Não tenho sede.
Não há passado nem porvir.
Mas é tão grande o mal que me consome.
Que se hoje a vida me dissesse "Pede!",
Nem sabia o que havia de pedir!
NEURASTENIA
Bate-me o coração descompassado.
Por que me treme a voz quando te vejo?
Tenho na boca um gosto inexplicado
Que inda não é pecado,
Mas que já sabe a beijo...
ENCONTRO COM A ESPERANÇA
Busquei os braços da Vida
Com meus pobres braços nus.
Foi-se o tempo, de corrida,
E em vez dos braços da Vida,
Achei os braços da cruz!
CAMINHO ERRADO
...Um galo cantou. E a sua voz
Vermelha como um açoite,
Foi uma língua de fogo
Que lambeu a noite!!!
NO SILÊNCIO DAS HORAS
QUE DORMIAM...
Quando me iludo e sonho e me alevanto
E esqueço os amaríssimos escolhos
Do meu destino incerto,
A minha alma aparece nos meus olhos
Num riso branco
De mal-me-quer aberto.
AUTO-RETRATO
Mar todo negro
Sem portos nem luzes.
Cheias as velas brancas
Onde sangram as cruzes.
Ilha da Esperança
Quanto mais a procuro, mais se esconde.
Cheias as velas brancas,
Neste oceano sem nome,
Nesta viagem sem onde...
CAMINHO
Ficaram-me os sentidos
Numa volta da estrada...
Beijos perdidos...
...Alma encontrada!
RESSURREIÇÃO
Tudo em mim é desencontro:
Asa a rastejar no chão.
Alma que avança e recua.
Na dor do sim e do não.
Olhos erguidos à Altura,
Anseios de Paraíso,
Mas os pés sem se afastarem
Da terra humilde que piso.
E quando a morte chegar
E acabar-me as horas más,
Não sei se irei com a Morte,
Se voltarei para trás.
DESENCONTRO
Passas tranquilamente, devagar...
E a noite faz-se dia
Para te ver passar!
VISÃO
Dia que já passou, lento, banal,
Sem nada a assinalá-lo eternamente.
Dia que foi, para meu grande mal,
Aflitivamente igual
Aos dias de toda a agente.
ANOITECER
Sim! Partir para um novo mundo,
E nesse mundo novo
Que nada apouca,
Viver a hora perfeita
Na divina comunhão
Do beijo sem a boca.
Um mundo para além
De todo o mundo...
Sem existência...
Intacto...
Um mundo
Onde o amor seja uma essência
E não um facto...
ASTRAL
Alma triste, sem disfarce,
No meio da escuridão...
E a manhã a aproximar-se
Sem nada a dar-lhe razão...
MADRUGADA
Foi quase nada: nem um gesto nem um grito!
A Vida continuou a mesma vida
No seu ritmo fantástico e profundo.
Mas eu senti nesse minuto
Que a minha felicidade sem medida
Acendeu novos astros no Infinito
E dilatou o mundo!
FELICIDADE
Dispam-me o sonho trágico e profundo!
Afastem-me das nuvens irreais!
Ponham meus pés nas ruas deste mundo
E deixem-me ser gente como os mais!
LUCIDEZ
Se o medo te leva,
Te arrepia o ser
E ao teu olhar mudo
Te nega a alvorada,
Deixa lá que a treva
Também vai morrer
No silêncio agudo
Da noite acabada.
CONSOLO
És como o mar, inquieto, singular:
Agora cordeirinho e logo algoz.
Mas como é que tu sendo igual ao mar,
Nenhum búzio repete a tua voz?
INCÓGNITA
Poisou-se o luar
Nas folhas molhadas...
Nas folhas que tinham
O lento oscilar
De contas rezadas...
PAISAGEM
Olho esta vida
Exposta ao meu olhar
Como a criança que vê
Um brinquedo impossível
Na montra dum bazar.
Alongando as mãozitas
Que não fizeram mal,
Vê que
O que lhe nega a sensação da posse
É só
A transparência dum cristal.
Eu também olho
A vida inacessível
Como a criança que vê
Na montra dum bazar
O brinquedo impossível...
EXPOSIÇÃO
Vês o mar e a harmonia dessa vela?
E a vida que é tão bela?
E o Céu que não tem fim?
Ah! quem podesse acreditar
Que essa vida, que esse Céu e esse mar
Tinham sido criados para mim!
DESCRENÇA
Entre mundos de mágoa,
O aroma
Duma risada em flor...
(Som de frescura de água
Ao longo
Dum dia de calor)...
RISADA
Os troncos nus...
Minha alma também nua
Como quem nada espera
Além do fim.
Mas, para os troncos, amanhã
De novo chegará a Primavera...
- E para mim?
INVERNO
Cegos da luz do Sol
Fecho os olhos cansados.
E a luz do Sol é uma carícia ardente
Nas pálpebras descidas,
Nos cílios alongados,
Como se um lábio quente
Beijasse doidamente
Os meus olhos fechados.
VOLÚPIA
Vai onde te levar o teu sentido,
Que a tua estrada é tua,
E verás que depois de teres ido,
A vida continua...
DESESPERO DE QUEM
NÃO FOI
Foi um olhar?
Um riso que acabou?
Um abraço que dói?
Um frêmito do luar?
A asa que não poisa?
Que foi que se passou?
Não sei mesmo se foi
Alguma coisa...
AMOR
Choro eu, riem os outros...
E somos todos iguais.
Ai! Vida que me não levas
Por onde levas os mais!
QUEIXA
Alma:
Não perguntes o "por quê"
Duma sina boa ou má.
Sê
Como a flor que dá perfume
Sem mesmo saber que o dá.
CONSELHO
Deram-me pão;
Deram-me sedas;
Deram-me galas.
Como ninguém me deu Estrelas,
Fui eu roubá-las!
ROUBO
Dez minutos sòmente para mim!
O mal tanto demora!
O bem tem logo fim!
Meu triste coração mais triste inda ficou.
Ficaram mais molhados
Meus olhos nunca enxutos.
Se eu não pedia mais que meia hora,
Por que foi que o destino me roubou
Vinte minutos?
APENAS MEIA HORA
Quanta ventura sonhei!
E a vida, como era doce!
Mas acordei...
...E acabou-se!
SÍNTESE
Sem prantos maculando de banalidade
Os últimos momentos.
Que Ela a todos encontre
Como quem a esperava já,
Sem gritos de saudade
Nem de arrependimentos.
Depois, hei-de fechar meus olhos sem um ai,
Num instante divino
Sem mentira nem véu,
Como o Sol que amanhece e que se esvai
Para cumprir outro destino
Sabe-se lá em que outro Céu!
FIM
Vão-se horas mansas:
Algumas resolutas,
Outras que não puderam ser.
Para quê esperanças?
Para quê lutas?
Tudo é morrer!
FINALIDADE
A Vida disse-me um dia
Que se eu lhe entregasse a vida,
Ela em troca me daria
A calma de mim perdida.
Minha alma toda se deu
Às suas mãos desleais.
Já nada tenho de meu
E ela a pedir sempre mais.
Ó Vida negra e daninha,
Castigo de quem te crê:
Dei-te tudo quanto tinha,
Que mais queres que te dê!
CASTIGO
E talvez tu não sejas
Como eu suponho...
Talvez o teu amor
Não passe do meu sonho.
Mas deixa-me chorar
Sobre o teu coração
- O meu refúgio brando! -
Para que ao menos
Eu tenha a ilusão
De ser feliz, chorando!
ILUSÃO
A desgraça não influi
O que é preciso é viver.
Pobre de quem diz "Eu fui"
Em lugar de "Eu hei-de ser"!
QUESTÃO DE TEMPO
DE VERBO
Já não me chega tudo quanto é meu:
Nem Estrelas nem lágrimas nem brasas...
Não sei bem se preciso de outro Céu,
Se de outras asas...
IGNORÂNCIA
Com este Sol vibrante como risadas
De matinal frescura,
Eu não queria violetas modestas e tranquilas.
Queria rosas, multidões de rosas ardentes e fechadas
Para que este Sol de loucura
Pudesse abri-las.
SOL DE INVERNO
Alucinado e profundo,
Poisa o teu olhar no meu.
O mundo? Que importa o mundo!
O mundo sou eu!
DELÍRIO
"Ó Vida! Eu quero saber tudo!"
E em meu peito sincero
Nascia pouco a pouco a madrugada.
E ri! Depois chegou a noite e o pranto mudo...
"Ó Vida! Eu já não quero
Saber mais nada!"
DESEJO SATISFEITO
Forçaram-me a não ir.
Eu não fui mais!
Disseram-me que não falasse.
Eu não falei!
E que deitasse fora
Os meus ideais.
Também deitei!
.............................
E agora?
OBEDIÊNCIA
Saí de mim. Quebrei o encanto
Daquele nó medonho
Que prendia o meu ser.
Mas fiquei-me a olhar, muda de espanto,
A torre que o meu sonho
Ousara erguer!
VIAGEM
Nunca atires fora
Tudo quanto o mundo
Te proporcionou.
Olha que depois
A gente é que vai
E o mundo ficou!
SABEDORIA
Revoadas de pombas brancas
- Curvas largas, asas francas -
Riscam o Céu.
No mundo, que de males infinitos:
Prantos, saudades, conflitos...
Eu...
PINCELADA
Dizem que me não entendem,
E o tempo vai-me delindo.
É que eu principio sempre
Onde os mais julgam que findo.
INCOMPREENSÃO
Neste falso paraíso
A vida é de tal forma complicada,
Tão cheia de imprevisto e dissabor,
Que julgando eu encher de riso
A minha madrugada,
Anoiteci em dor...
REVERSO
É tudo sonho, tudo:
A concha da manhã,
O grito das ramagens,
O silêncio do luar...
Talvez que até eu mesma
Não seja mais que o sonho
De alguém que ao mundo veio
Só para me sonhar.
SONHO
As mãos do Sol, misericordiosas,
Deixaram a roseira em floração.
Mal haja o Sol que fez abrir as rosas
E não soube florir-me o coração!
ANÁTEMA
Dia estagnado, sequioso...
O Sol queima como as brasas.
Ai! o medo pavoroso
De que o Sol me creste as asas!
SOU BORBOLETA...
O que me dói
Não é o desamor
Que me destrói
E faz sofrer.
O que me dói
É esta dor
De me doer!
DOLOR-DOLORIS
Horas passadas,
Sem rumo nem sentido,
Desperdiçadas
E que o tempo dilui...
Horas
Em que eu podia ter sido,
E em que não fui...
HORAS
Todos iguais! Nem máximos nem mínimos!
Se a vida consome uns, também outros consome.
A morte à espera destes ou daqueles...
O mesmo pão matando a mesma fome!
Há risos e amargor em qualquer clima:
Em doirados salões e em casas de rebaixo.
Se inda alguma diferença nos anima.
É que uns olham de baixo para cima
E outros de cima para baixo!
FRATERNIDADE
Quis saber mais do que todos
E embriagada de prazer
Fui para a escola do mundo
Onde a Vida me ensinou
A mentir,
A calar
E a sofrer.
CIÊNCIA
Mais outra ilusão morta!
E os meus dias parecem bons, suaves,
Com tons de amanhecer,
Que as minhas ilusões são como as aves:
Ninguém as vê morrer.
VERDADE
Fez-me a Vida uma promessa:
Dar-me sina venturosa
Como a poucos ela dá.
A Vida, que mentirosa:
A sina, foi-se depressa...
...Eu é que fiquei por cá!
MENTIRA
Não interrompas o silêncio.
Fala baixinho.
Deixa sonhar
O sonho desta hora.
Não importa que tudo
Seja mentira.
Deixa que as rosas julguem
Que têm luz
E as Estrelas, perfume...
Até eu posso julgar
Que sou feliz...
Fala baixinho...
Não interrompas o silêncio...
ÊXTASE
Disse que não à vida e ao prazer.
E os homens riram, num desvairamento.
Como haviam os homens de entender
O meu divino sofrimento!
Depois, mostrei a Deus o meu sofrer
E Ele nem me atendeu nem lhe deu cura.
Como havia o Senhor de compreender
A minha humana desventura!
SEM REMÉDIO...
E as Estrelas que viram,
Não me disseram nada...
E a minha alma dorida como dantes
Ficou mais sossegada
Olhando os éus distantes,
Porque as Estrelas viram
E não disseram nada...
NOCTURNO
Acelerar o passo para quê,
Se apenas alcançamos, por castigo,
Duras complicações.,
Prematuro cansaço...
Segue, pois, teu caminho
Sem antecipações
E crê no que te digo:
Não vale a pena acelerar o passo!
EXPERIÊNCIA
Como se fosses feliz,
Ri! Ri sem remorsos,
Que as risadas
A vida melhoram.
Ri e não te lembres nunca
De que enquanto ris,
Há muitos que choram!
RISOS
O sonho matou-me o riso
E a angústia bateu à porta
E entrou sem a convidar!
Isso que importa!
O que é preciso
É não deixar de sonhar!
SONHAR
Choro!
Perdi a minha fortuna
De certezas,
De esperanças,
De alegria...
Choro!
Tudo quanto era meu me tem deixado
Amortalhado na bruma...
Choro!
E até a lágrimas me deixam
Uma a uma!
ABANDONO
Quando, não sei.
E também não sei onde.
(E a vida vai passando...)
Talvez um dia
Quando já não houver
Nem "onde"
Nem "quando".
ENCONTRO COM A FELICIDADE
Estendo as mãos na noite pervertida
Em busca de outras mãos que não encontro.
E a curva do meu gesto
Perde a harmonia
No vago medo de insondáveis medos...
Oh! a raiva incontida
De quem estende os braços para o Sol
E só encontra a noite fria
Entre os dedos!
RAIVA!
Ergui os olhos ao Alto
E a noite fez-se escarlate.
Mas o sonho em que me exalto
Também às vezes me abate.
Se estendo os braços à vida,
Tombam cansados, os braços!
Vai minha alma enlouquecida
Onde não vão os meus passos.
Dei ao sonho o coração,
Mas fujo sempre do fim...
Que estranha contradição
Vai de mim mesma até mim!
CONTRADIÇÃO
Se hoje vives num paraíso
E em dor amanhã te abrasas,
Não te mentiu o pranto nem o riso,
Que para voar é preciso
Abrir e fechar as asas.
SE...
Tiraram os teus olhos dos meus olhos...
As minhas mãos das tuas mãos...
(O Sol já não tem brilho nem calor)
E agora que não tenho em meus olhos teus olhos
Nem tens as minhas mãos em tuas mãos,
"Ay, madre, moiro de amor!"
CANÇÃOZINHA
Esperança!
Árvore nascida ao alvorecer
Da manhã
Do Futuro
E onde a minha fome há-de morder
O fruto mais maduro!
GRITO
Outra coisa! Outra coisa!
Talvez rosas azuis
E fontes a brotar sangue.
Talvez o Céu no chão
Para andarmos sobre ele.
Talvez eu sem sonhos nem rimas
Adorando as jóias e os veludos...
E depois...
Depois morrer de saudades
Da cor das rosas,
Da água das fontes,
Das alturas do Céu
E de mim mesma!
MASOQUISMO
Vidas que passam
Estagnadas ou fúteis
No decorrer dos dias,
Absolutamente ocas e inúteis
Como conchas vazias.
TEMPO PERDIDO
Apenas alma.
Beijos, agora, não.
Meu Amor, ajoelha
Com a paisagem.
Que nada turbe a calma
Desta oração.
Palavras?
E para quê, dizê-las!
Rasgavam o silêncio que é tão grande
Que até parece ouvir-se
O brilho das Estrelas.
Beijos, agora, não:
Apenas alma...
CONTEMPLAÇÃO
Uns minutos roubados à existência
Incolor, mesquinha...
Em seguida,
Dar aos outros toda a vida
Em troca duma hora só
Que tivesse sido minha!
EMBRIAGUEZ
Numa tarde serena e luminosa
E quente,
Os teus olhos poisaram nos meus olhos
Embriagados de esplendor,
Com a mesma alegria vitoriosa
E inconsciente
Duma abelha poisando numa flor.
OLHAR
Já nem orgulhosa sou!
É mais frio que uma loisa
Meu coração de mulher.
Foi o tempo que passou...
E eu que já fui qualquer coisa,
Sou uma coisa qualquer!
RUÍNA
Que harmonia na cor
Da luz que se levanta,
No dia que amanhece
Comigo!
Ó coração: esquece
E canta, canta, canta,
Até que a própria dor
Cante contigo!
ALVA
Sei que destroem tudo quanto é teu
E te ferem com injustiça, a esmo,
E que ficas depois completamente exangue.
Mas faz como eu:
Põe a tua alma acima de ti mesmo
E deixa correr o sangue!
A UM DESERDADO
A vida só é vida
Quando vivida
Por dois.
Depois...
Todo o prazer deixa de ser
Prazer
Quando se pensa que há "depois"!
CONCLUSÃO
Senhor: não era muito o que eu pedia!
Que me importava a mágoa
Sempre viva e presente!
Eu só queria
Aquela gora de água
Que mata a sede a toda a gente!
QUEIXUME
E ninguém vê o trilho da desgraça
Que o destino traçou
Com sua mão tão má!
E a vida passa Como sempre passou
E sempre passará!...
INDIFERENÇA
Não vens! Que medo faz a ventania!
Meu Deus! Nem um regaço onde me acoite!
Tenho na alma o frio da nortada
E na boca abandonada
O sabor negro da noite.
........................................
És tu? Vê que formoso nasce o dia!
Que vibração na luz alegre e sã!
Tenho a alma de Sol iluminada
E na boca já beijada
O gosto azul da manhã!
"ARIETTA"
Será mentira ou verdade?
Meu coração nada sabe.
Só sabe que esta ansiedade
No coração já não cabe.
Passa-me o tempo a doer,
Horas vão, outras hão-de ir...
E eu em casa sem saber
Se hei-de chorar, se hei-de rir.
Foi-se o dia, é noite escura
E a ansiedade é mais dorida.
Que momentos de amargura
A gente passa na vida!
ANSIEDADE
Dia claro de Verão.
Na rua larga e comprida,
Gente que vai, mal ou bem,
Ao chamamento da vida.
Se todos os outros vão,
Por que não vou eu também?
DA MINHA JANELA
Nem anseios de espera
Nem sonhos de poetas
Nem tanta coisa complicada.
Ah! quem pudera
Ser o perfume das violetas
Que é só perfume e mais nada!
SIMPLICIDADE
Bebido o fel em dolorosos tragos,
Quis chorar livremente
Mas não mo consentiu a aparência da vida.
Agora entendo a dor dos lagos
Presos numa mortalha reluzente
De água contida...
INIBIÇÃO
A rosa era pequenina,
De aroma sem ser violento
E cor singela.
Mas passou por ela o vento
Que não perdoa...
Foi tal como a flor da minha sina:
Passou a vida por ela...
...E desfolhou-a!
VENDAVAL
Fizeram-me cair da vida.
E fui irmã das ervas e da lama,
Do chão, onde ninguém me conheceu.
Mas quando consegui pôr-me de pé,
Ah! quando consegui pôr-me de pé,
Era muito mais alta do que eu!
ALTURA!
...
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