MARIA HELENA VAQUINHAS DE CARVALHO
... Se nos debruçarmos um pouco na análise do fenômeno das relações humanas, seja no convívio pessoal ou nas ligações do coletivo, acabamos sempre por constatar o quanto de indiferença e desinteresse, até, se vem instalando em cada um de nós, cada vez mais alheios à vivência dos nossos semelhantes e do que possam carrear para a sociedade, visando a melhoria do mundo. A aceleração da vida, na procura de chegar-se mais depressa ou mais longe, embota-nos o sentido da solidariedade e da troca do que somos pelo que de outro podemos receber.
Fui honrado por ela , também, e guardo-os religiosamente, com um poema sem título, que me dedicou em Março de 1994, depois de ter lido um soneto meu que denominei de "Sonho" e com um outro , em Agosto de 1994 que ela titulou de DESLUMBRAMENTO.
Vem isto a propósito de, a todo o tempo, nos esquecermos de trazer ao conhecimento geral, nomes grados da vida que a atravessaram a semear riquezas à sua volta, passando incógnitos no meio da multidão, muitas vezes porque instâncias superiores, por interesse pessoal ou mesquinhez de sentimentos, lhes negaram o lugar ao sol que mereciam. Por mim próprio falo porque, honestamente, a mor das vezes olho mais para a minha sombra do que para a luz dos outros. E é deprimente adivinharmos, num dia qualquer, que, sem segundo objetivo, podíamos ajudar a iluminar o caminho de uns tantos que, desde o berço, são merecedores de vir à flor do conhecimento pela obra que vão ou foram deixando atrás de si.
É o caso de Maria Helena Vaquinhas de Carvalho.
Quem é? Quem foi?
Uma poetisa de alto gabarito que passou neste mundo a espalhar jóias do pensamento em verso, mas que nasceu incógnita e quase incógnita nos deixou.
Conheci-a, pessoalmente, e pela primeira vez ao vivo, em 1990, na vila de Cantanhede, onde fui receber um 3º prêmio de poesia nuns Jogos Florais a que concorrera. Ela, a Maria Helena, recebeu o 1º.
Tive oportunidade, nessa ocasião, de entender a justificativa do tratamento carinhoso com que era tratada, correntemente entre os amigos: a "Montanha".
De pequena estatura — a rondar o metro e meio de altura - chamavam-na a "montanha" pela grandeza do seu estro e pelas culminâncias que atingia.
Cruzei-me com ela, depois, aqui e além, nos múltiplos Jogos Florais que se desenrolavam em Portugal. Ela a ganhar com regularidade. Eu, aqui e além.
Embora não tivéssemos sedimentado, a tempo inteiro, as nossas relações poéticas, tive ocasião de ir a sua casa, na Avenida Ressano Garcia, 8, 1º., em Lisboa, algumas vezes, esporadicamente ou acompanhado de minha mulher, para conversarmos um pouco e ouvi-la dissertar sobre a sua visão acerca da Poesia e dos meandros em que se chegou a ver enredada conjuntamente com dois nomes sonantes nos meios literários portugueses, que a adulavam com o objetivo de lhe apanhar idéias, frases, versos e o mundo da imaginação poética que nela borbulhava à flor da pele. Desligou-se, oportunamente — segundo me disse — para sossego de espírito.
Acompanhado de minha mulher, jantei uma vez com ela, em sua casa, tendo-lhe retribuído posteriormente a amabilidade com um almoço em Lisboa seguida de visita ao Museu Gulbenkian.
Foi por ela, e com ela, que me embrenhei bem mais nos caminhos da Poesia, tendo-me, certa ocasião, mostrado o texto da sua única "coroa de sonetos" ("Ciclo das Múltiplas Sensações"), que fizera no Brasil, e oferecendo-me, na ocasião, um exemplar do respetivo livro (da Editora Quipapá) com uma carinhosa dedicatória. É uma das relíquias que tenho, daquela mulher.
Curiosamente, esse livro serviu-me de acicate para, também eu, me atrever à feitura dum outro poema de catorze sonetos encadeados ("Guerra e Paz"). Quando completei e fui mostrar-lho, para beber da sua crítica, olhou-me com um certo espanto, elogiou o trabalho e ... sem aqui dizer mais nada ... só sei que poucos dias depois me informou que tinha feito uma segunda "coroa de sonetos"!
Poucas semanas mais tarde ... a Maria Helena falecia. Nunca me foi dado conhecer o texto deste seu trabalho. Mas não duvido que seria algo de excelsamente rico, tendo em conta que tudo o que saía das suas cogitações poéticas tinha sempre um aroma a divino.
Possuidor de cinco dos seus livros publicados, todos assinados pela autora e com uma dedicatória simples, só sei que até 1956 deu à estampa 12 títulos — AMANHECER, O PALHAÇO FRANCÊS, MÚSICA RUSSA, ASCENSIONAIS, VIA LÁCTEA, PRESENÇA, DA LUZ QUE VEM DO ALTO, PARA ALÉM DA VIDA, POEMAS SEM SENTIDO, CÂNTICO DA CARNE, À ETERNA LUZ DOS INFINITOS SÓIS.
Os inéditos naquela ocasião — POEMAS DA VIDA E DA MORTE (I - Poemas da Vida), (II — Poemas da Morte), ... E DEPOIS, O MENINO..., POEMAS SEM SENTIDO (2o. Volume), LEJOS (Em espanhol), STANCHEZZA (Em italiano), HAUTER (Em francês) e em teatro JOANINHA, não sei se foram posteriormente publicados, mas sei que em 1968 deu à estampa a referida coroa de sonetos CICLO DAS MÚLTIPLAS SENSAÇÕES.
Possuo, ainda, dela, um pequeno opúsculo (12 páginas) feito no Brasil (Rio de Janeiro) — CONVITE A TODOS OS POETAS, contendo um poema da autora (convite) e a resposta em duas estrofes de Nélson Váz.
Como comentário final deste meu contributo para a biografia desta fabulosa poetisa, que tão ingratamente foi arredada do "círculo fechado dos famosos" para não fazer sombra aos "instalados", gostaria de deixar aqui expresso que Maria Helena V. Carvalho, pela sua verve, pelo seu romantismo, pelo seu classicismo e, especialmente, pela grandeza das emoções que transmitia a quem a lesse, tinha de ser sempre posta à margem, em Portugal, para não obscurecer o "sol" de uns tantos que a esqueceram voluntariamente.
Bem haja, porém, a quem, no Brasil — país que Maria Helena tanto amou — tomou a iniciativa de dar seguimento à idéia de trazer ao merecido lugar de destaque o nome dela. É com atitudes destas que nos dá gosto verificar que Maria Helena V. de Carvalho, embora longe ... muito longe ... está ainda perto de nós, viva e bem viva!
João Baptista Coelho
Tires - S. Domingos de Rana - Portugal
Junho de 2011
Muito merecida homenagem!
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