(AMANHECER, 1º Livro de Maria Helena, Portugália, Lisboa, 1925, , 60 páginas)
Retrato da Autora no traço da pintora portuguesa Eduarda Lapa (1895 - 1976)
A MEUS AVÓS
A MEUS PAIS
A DANSA DAS ESPUMAS
A MINHA IRMÃ MARIA FERNANDA
Espumas alvas e puras
Que subis pelas alturas,
Desfazendo-vos no ar.
Espumas de meigo encanto,
Sois do mar o dôce pranto,
O dôce pranto do mar.
Pelas manhãs hibernais
Gritando, soltando ais
Em furias alucinadas,
As vagas tão caprichosas
Gemem na areia, raivósas,
Num ritmo de gargalhádas.
E vós, espumas de néve,
Que fugis em passo léve
Sempre a bailar... a bailar...
Nesse abraço ao Infinito
Não ouvis o doido grito,
O doido grito do mar?
E as espumas brandas, dôcemente
Murmurando suavíssimos segrêdos,
Beijam a praia com amor ardente,
Toucam de branco as cristas dos rochêdos.
Sonhando canções de amor
Como um belo trovador
Do tempo medieval,
Espumas côr de luar,
Assim seguis sem parár
No meio do temporal.
Espumas léves, mimosas,
Irrequietas, buliçosas,
Como o sentir das mulhéres.
Espumas que dais aos ares
Punhados de nenufares,
Braçadas de bem-me-queres.
E vós que ides p'lo mundo em turbilhão
Não encontrais alguem que vos entenda
Essa vida de bruma e de ilusão,
Esse imenso poêma feito em renda.
Quando o mar mais se alevanta,
A vossa leveza é tanta,
Tão cheia de perfeição,
Que lembrais um véu de néve
Que se aproxima de léve
Da mêsa da comunhão.
E nesse abraço ao Infinito,
Não ouvis o doido grito,
O doido grito do mar?
Vós, espumas transparentes
Que fugis meigas, contentes
Sempre a bailar... a bailar...
MOINHO VELHO
AO DR. CARLOS DE LEMOS
Moinho de asas brancas, côr da neve
Que de leve
Se elevam suspirando pelos ares.
Moinho de asas lindas, de asas mansas
Que balanças
As tuas quatro pás lá pelos ares.
Pombas erguidas para o Céu voando
Vão em bando,
Como em sonho, a gemer penas de amor.
E pelas nuvens prantos repartindo
Vão seguindo
Cantando a soluçar penas de amor.
Moinho de asas lindas a voar,
A chorar,
Magoas da mocidade já distante.
Quantas saudades, minhas asas santas!
Ai! Mas quantas
Do tempo que passou já tão distante,
Quando p'ra ti chegava a primavera,
Folhas de hera
Cingiam os teus muros caprichosas.
Ai! Já não tens o seu abraço terno.
Tens inverno
Em vez das suas folhas caprichosas.
Antigamente as aves côr de aurora
Campos fóra,
Vinham p'ra o teu beiral fazer os ninhos.
Mas hoje vão buscar novos amores
Entre flores,
Nos muros brancos vão fazer seus ninhos.
Já não tens a moleira tão antiga
Velha amiga,
Que gostava de ouvir-te, ao descansar.
Partiu numa viagem, sem um grito,
P'lo Infinito,
Lá foi na páz da morte descansar.
Não ouves o cantar das criancinhas,
Suas netinhas,
Contentes a sorrir ao pé de ti.
Ai! Já não vês as pombas no telhado
Recortado,
Que fogem de poisar ao pé de ti,
Moinho de asas brancas, meu amigo,
Eu bemdigo,
As tuas asas brilhando à luz do Sol.
Não teem côr tuas paredes velhas
Nem as telhas
Que ao longe faz brilhar a luz do Sol.
Moinho de asas brancas de pureza.
Que tristeza
Nas tuas pobres velas enrugadas!
Fazem lembrar o adeus da mocidade.
Que saudade
Eu vejo em tuas velas enrugadas!
Ai! Já não dás abrigo nem guarida.
Foi-se a vida
Como foram tambem as folhas da hera.
Fogem de ti os meiros do pomar,
Vão cantar
Alegres, juvenis, nas folhas de hera.
Nunca mais tu verás pelo caminho
O burrinho
A caminhar p'ra ti todo contente.
Já não lhe dão farinha p'ra trazer
E a moer
A' santa moleirinha a rir, contente.
Não sentirás jamais o trigo loiro,
Teu tesoiro,
Gemer nas tuas mós, côr do arminho.
Nunca mais! Nunca mais! Que dôr, que dôr!
Oh Senhor!
P'ra as tuas lindas mós côr do arminho.
Moinho de asas brancas, côr da neve,
Foi em breve
Que se acabou p'ra ti a f'licidade.
Tempo da tua infancia, tão risonho,
Foi um sonho
Feito de luz, de encanto, e f'licidade.
Eu compreendo o teu viver penoso,
Desditoso
Teu soluçar dorido, magoado.
E dá-me pena de te ver tão só.
Sinto dó
E compreendo o teu chorar magoado.
Assim, moinho velho, meu amigo,
Sou contigo
Nas horas de tristeza e de abandôno.
Repousa dessa dôr que não tem fim,
Junto a mim
Não é já tão pesado o abandono.
E's hoje o relicario consagrado
Do passado,
Que está a soluçar no pó da estrada.
Haja o respeito assim, de quem entrar
A resar
Nesta capela á beira duma estrada!
CANÇÃO DAS FOLHAS CAÍDAS!
A D. EMILIA DE SOUSA COSTA
Envolvidas na poeira,
A mortalha derradeira
Dos nossos corpos gelados,
Dizemos adeus á vida
Que foi alegre e florida
Em momentos bem fadados.
Já démos sombra e frescura
E embalámos com brandura
A câma fôfa dos ninhos.
Agora os seus moradôres
Deixam-nos gemendo dm dôres,
Sem consôlo e sem carinhos.
Quando um sorriso era a vida,
Uma alegria florida
Em hastes cheias de côr,
Vinham-nos beijar, amantes,
Os arômas perturbantes
Das larangeiras em flôr.
Quando a aurora despontava
E o Sol imenso espreitava
Pela alta penedia,
A nossa voz meiga e quente
Resava ao Omnipotente
Em hossânas de alegria.
Quantas vezes com amôr,
Livrámos o cavadôr
Da ardência do Sol doirado.
E, enquanto êle descansava,
A nossa voz murmurava
Um sussurro apaixonado.
Mas, ó suprêma ironia!
A ventura é fugidia
E acaba em desilusão.
Êsse mesmo cavadôr
Que acolhêmos com amôr,
Pisa-nos hoje no chão.
Que felizes que nós fomos!
E que desgraçadas sômos
Frias, inertes, perdidas.
Quanta dôr e sofrimento
Existe no esquecimento
Das pobres fôlhas caídas!
Tudo morreu para nós!
Perdeu-se o arôma, e a voz,
Toda a luta de vivêr.
Ó triste ilusão dorida!
Para que têmos nós vida,
Se nascêmos p'ra morrêr?
O Sol deixou de fulgir.
Já não sentimos a rir
O seu afago macio.
Ésta vida é uma quiméra:
Nascêmos da Primavéra,
Morrêmos cheias de frio.
Vivêmos com alegria
Bemdizendo a luz do dia
E o sorriso da alvorada.
Hoje, cheias de abandôno,
Dormimos o eterno sôno
No pó branco de uma estrada.
LUA CHEIA
Calai, vento do norte, o vosso belo canto!
Parai, brisa da noite, a vossa vibração!
Suspendei de florir, ó rosas em botão!
E deixai de correr, ó pérolas do pranto!
Que estranha limpidez! Que bemfadado encanto!
A Lua pelo Ceu espalha o seu clarão:
O murmurar de Deus! Tudo é uma oração,
E as corolas das flôr's são relicário santo.
Ó vibrações da Lua, a lâmpada de Deus,
que percorreis, chorando, a vastidão dos Ceus,
Vibrai ainda mais, e mais, e mais ainda!
Fugi, desilusões! eu quero descansar.
A Lua meiga e pura está-me a embalar...
Oh! Deixai-me dormir! a noite está tão linda...
O AMOR
O Amôr é ave doirada,
Que canta de madrugada,
Na primavera da vida.
É Sol que brilha risonho;
É um desejo, é um sonho,
Que traz a alma iludida.
São risos no coração;
São preces com devoção,
Rezadas pelas tardinhas.
São os melros no pomar,
É Jesus sobre o altar,
Manhã cheia de andorinhas.
O Amôr é grito de esp'rança,
É ser mulher, ser criança...
Pranto soluçado a rir.
São folhas sôltas ao vento,
São horas de esquecimento,
Roseira sempre a florir.
ENFIM!
Meu Amôr, meu Amôr! És tu, enfim!
Bemdito sêja Deus, bemdito sêja!
Agora vais vivêr só para mim;
No meu olhar um Sol pra ti lampeja.
Oh! Deixa-me sonhar, meu bem, assim.
A minh'alma singela a tua beija.
Meu Amôr, meu Amôr! És tu, enfim!
Bemdito sêja Deus, bemdito sêja!
Amôr cheio de ideal, cheio de esp'rança,
Que sinto dentro em mim desde criança,
Que sempre tem guiado o meu vivêr.
Puz tanta vida, Amôr, p'ra te encontrar,
Dei tanto coração para te amar,
Que tenho mêdo agora de morrêr!
CANÇÃO DA NOITE
É noite. A Lua espalha o seu clarão bemdito.
Calam-se os rouxinóis, olhando para os Ceus.
Há uma chama d'oiro em todo o Infinito;
Há um torpôr que vence e afoga todo o grito,
E faz 'squecer o mundo erguendo-nos a Deus.
Reza baixinho a fonte em soluçar constante;
O arvorêdo geme a custo com o vento;
Sente-se a nora triste a murmurar distante,
Suspirando talvez a pêrda de um amante
Que p'ra sempre a deixou imersa em sofrimento.
Ó noite silenciosa! Ó noite de agonia!
Noite de calma e paz, sonho dee amôr, beleza,
Noite linda de luz, de dôr e poesia,
Que derramas clarões em nossa fantasia
E enches de silencio a própria Natureza.
Pulsam os corações baixinho, receosos:
Talvez o seu pulsar acorde a viração.
Vêem-se pelo Ceu reflexos luminosos;
Tremem como a chorar os plátanos medrosos...
Há segrêdos de amôr em cada coração.
Suspira de mansinho a brisa passageira,
Distante o rouxinol vôa cantando a mêdo.
Houve uma animação que se toldou ligeira;
Já deixou de ladrar o cão, ao longe, na eira;
E já emudeceu o môcho no penêdo.
Ó calmas de luar! Ó virações dolentes!
Bemdita sejas tu, ó noite silenciosa!
Bemdita a tua luz de vibrações ardentes,
Que faz morrêr de amôr as almas inocentes,
Que faz nascer o goivo e que entreabre a rosa!
RECORDAÇÃO
Ontem á noite, a horas coloridas,
Fui encontrar, deitadas para um canto,
Umas verbênas pálidas, doridas;
Pobres flôres, a quem amára tanto.
Tinha morrido ha muito todo o encanto
Das suas belas fôlhas coloridas:
E agora as pobres fôlhas, cheias de pranto,
Dormiam para ali, como esquecidas.
Flôres tão meigas, inocentes flôres:
Para que vindes recordar-lhe as dôres,
Á pobre da minh'alma penitente?
P'ra quê? p'ra quê? Se eu esquecêr procuro,
P'ra que vindes erguer, ante o futuro,
O espectro do que fui antigamente?
Mas que importa que eu chore o meu passado,
Em pranto lento, amargo, sufocado,
Que importa, se foi Deus que assim o quis?
Agora só me resta uma vontade:
— Vivêr pelo que fui, desta saudade...
Lembrança doutro tempo mais feliz.
CONTRASENSO
A D. BRANCA DE GONTA COLAÇO
Sei lá o que é a vida! Apênas agonia.
Se sei o que é a morte? Apênas uma dôr.
Vivêmos p'ra sentir tristêza ou alegria;
Morrêmos a sonhar ventura ou amargôr.
Esp'ramos o ámanhã, e em nossa fantasia
Esvai-se o dia de hoje em horas sem sabôr.
Vâmos pedir ao Ceu que nos dê outro dia
E vâmos ao altar em graças ao Senhôr.
Lá passa mais um dia, e outro, e outro ainda.
E na fé de vivêr, esp'rança sempre linda,
Assim vâmos tornando os nossos anos masi serenos.
Se ás vêzes, distraída, acaso nisto penso,
Eu fico-me a scismar, ó triste contrasenso!,
Que, sendo um dia a mais, é sempre um dia a mênos.
CIUME
Ontem quando te foste, ias amuado:
Nem me disseste adeus, como é costume.
"Qual é a causa dêsse teu ciume?"
Dizias num tom sério, de zangado.
"Mas porque tens o rosto descôrado?
Vejo os teus olhos a perderem lume.
Se o teu padecimento é infundado,
Qual é pois, a razão do teu queixume?"
És injusto e és ingrato p'ra comigo.
Devias dizer aquilo que te digo,
Aliviando assim a minha dôr:
O Amôr só por si não se resume.
Não amam bem os que não têm ciume,
Pois ter ciume é ter dobrado Amôr.
REFLEXÃO
Quando o vento gemia tristemente
E eu pensava nas dôr's de minha vida,
Senti... não sei o quê de descontente
A dizêr que tua jura era mentida.
Ergui-me semi-louca e arrependida
De te haver escutado ingênuamente,
Nessa hora de suprêma despedida
Em que te dei meu coração ardente.
Queria gritar, corrêr inda a chamar-te
Para me dar's o que não sei tirar-te,
O que te dei inconscientemente.
Mas ai! tinhas partido campos fóra;
Comecei a chorar, sósinha agora,
Quando o vento gemia tristemente.
SAUDADE
A PALMIRA FIGUEIREDO
Saudade é nuvem que se esvai doirada;
Saudade é tudo que uma alma sente;
Saudade é estar alegre, descontente;
É estar contente, estando amargurada.
Saudade é ter a alma alanceada
Por uma dôr terrível e pungente.
Saudade é ter na dôr um ar contente,
É ser feliz, estando desgraçada.
Saudade é ter ventura na desdita,
Rezar baixinho a oração bemdita
Que nos conforta com o seu calôr.
Saudade é ter no peito um sentimento
Que dá tristeza e dá contentamento...
...Saudade é ter-te longe, meu Amôr!
CONTRASTE
Como é dif'rente a dôr da alegria!
A alegria gosta de viver, cantar:
Doira de Sol a nossa fantasia,
Deixando a alma branca de luar.
A dôr, ao vir, traz a melancolia:
O peito geme, deixa de sonhar.
É negra a vida, nêgro o Ceu, o mar...
É tudo escuridão, tudo agonia.
Ó Deus! Porque és assim cuel p'ra nós?
Porque nos dás o sofrimento atróz
De toda essa alegria que é mentida?
Por que razão, eu não compreendo nada,
Se têmos uma hora angustiada,
Levâmos a pensa-la toda a vida?
O LOUCO
A LUÍS VARELA CID
E ria...e ria sempre...e ria mais,
O pobre louco, triste, desvairado,
Com lívida expressão no olhar parado,
Quási sem vida, como os animais.
As unhas finas eram uns punhais,
Esfacelando o peito ensanguentado.
Tinha o cabêlo sôlto, desgrenhado,
A bôca, em convulsões, soltando ais.
Ó, peregrino! Vai buscar na morte
Um lenitivo para a a tua sorte,
Vai corrêr livremente pelo espaço.
Ah! mas o louco não concébe ideáis.
E ria...e ria sempre...e ria mais,
Num gargalhar constante de palhaço.
AMBIÇÃO
A ALCANTARA CARREIRA
Vai-se apagando a luz que eu vi arder
No céu da minha vida luminosa:
Vejo-a fugir ao longe, harmoniosa,
Como um clarão azul de alvorecer.
Vai-se cerrando o meu amanhecer
Num desejo sem fim de ser ditosa.
É quando morre o Sol, que murcha a rosa...
E eu vou vivendo, sem saber viver.
Vejo só noite em tôrno do meu lar.
Vivo sem sonhos, sem saber amar.
Numa ambição febril, incompreendida.
Meu pobre coração quasi descrê:
E vou vivendo sem saber porquê,
Nesta ansiedade que me rouba a vida.
A MAIOR PÊNA
Tudo morreu, tudo acabou, Senhôr!
Que vida, ai! mas que vida de amargura!
Fugiu-me a ilusão duma ventura,
Morreu a esp'rança pura dêsse amôr.
Tudo se foi assim! Que vã tortura
Dentro do coração cheio de dôr!
Agora só me resta a desventura:
Tudo morreu, tudo acabou, Senhôr!
Jámais tu me ouvirás chamar por ti,
Contando-te os tormentos que sofri,
Numa voz triste, cheia de meiguice.
Se me lembro das coisas que contei,
Que saudades cueis eu guardarei
Daquilo que, afinal, nunca te disse!
DEIXA SONHAR
A D. MARGARIDA LORJÓ TAVARES
Nos meus sonhos gentis, de imaculada alvura,
Sempre a mesma visão em doidas gargalhadas,
Vem encher de tristeza a minha alma tão pura
Numa voz de metal, cortante como espadas.
P'ra que vens perturbar essa ideal ventura,
Visão da côr da noite a soluçar risadas,
Que tens no olhar perverso o rijo das nortadas
E no rôsto febril os traços da amargura?
Ó deixa-me sonhar! É tão cruel a vida
Que mostra branca e pura uma alma pervertida
Que torna imundo e vil o branco do luar.
Deixa-me pois sonhar uma ilusão fagueira.
Deixa passar num sonho a minha vida inteira
E chame Deus por mim, sem nunca despertar.
ESPERANÇAS
AOS MEUS AVÓS MATERNOS
Eu hei de ser feliz. A dôr ha de fugir,
Envôlta no seu manto escuro de amargura.
Hei de ter no meu peito uma ilusão a rir;
Na alma ha de cantar a vida a reflorir;
Terei o coração repleto de ventura.
A vida é um beijo, um sonho; a vida é uma quimera.
Quero sentir, viver. A morte é uma ilusão.
Quero encher de lilaz a minha primavera,
Desdobrar no meu peito uma afeição sincera,
O amôr é uma alvorada em cada coração.
Não quero que a amargura, em gesto desabrido,
Venha mostrar-me o fel, o mal, os desenganos.
Hei de achar no prazer um coração florido,
Alegre como o meu, sem sombras dum gemido;
Hão de ter vida e côr os meus dezassete anos.
Eu hei de ser feliz. Cantam os passarinhos,
Ao longe, no pinhal beijados de luar.
Hei de viver de paz, de risos, de carinhos,
Sem conhecer jámais as dôres ou os espinhos:
Viver para sentir, viver só para amar.
A mágoa ha de morrer a soluçar dorida.
Jámais uma ilusão me há de ferir, jámais!
Hei de fazer do amôr o sol da minha vida;
Hei de viver sonhando essa miragem qu'rida
E ao longe ver fugir suspiros, dôres e ais.
Vai acabar o fel, as horas de agonia,
Em que perdia a côr, sósinha, a soluçar.
As noites de tristeza a suplicar o dia,
Com a alma a transbordar de preces de agonia,
Com a esp'rança a fugir, p'ra nunca mais voltar.
Agora vou viver. Viver! Que prazer santo!
Sentir no coração o gôso mais perfeito;
Deixar morrer no olhar as pérolas do pranto;
Achar no sofrimento um bemfadado encanto,
Sonho de luz e amôr a rir dentro do peito.
Deixará de se ouvir o meu soluçar rouco;
Hão de ganhar-me côr as faces desmaiadas;
Deixará de sofrer meu pensamento louco;
Verei a desventura a ir-se a pouco e pouco,
E até a própria dôr a rir ás gargalhadas.
PRIMAVERA
A D. LUTHGARDA GUIMARÃES DE CAIRES
Como chegou risonha a primavera!
Que linda vem, ó como vem garrida!
Vem enfeitar e revestir a ermida
de rosas lindas e de fôlhas de hera.
Ha tanto já que estavamos á espera
Da tua chegada, companheira qu'rida.
Tu vens trazer ao campo amôr e vida,
Tu vens trazer ás almas a quimera.
Cantam cigarras entre os milharais,
E pelo Céu de Abril vôam pardais
Correndo satisfeitos aos seus ninhos.
Repara: o pastorinho está alerta...
Floresce o Sol em cada rosa aberta
E canta a voz de Deus nos passarinhos!
AS TUAS MÃOS
Á HELÊNA DE SOUSA COSTA
As tuas mãos esguias, de princêsa,
Mãos de luar,
Têem a côr e a beleza
Da Virgem de marfim do meu altar.
Mãos de fada, dolentes e nervosas
De unhas brilhantes e da côr das rosas
Do meu jardim.
Mãos imensas em festas e carinhos.
Que espalham goivos, cravos, rosmaninhos,
Nêste Inverno sem fim.
Mãos gemendo ao contacto da amargura
Que pela noite escura
Vai chorando nas ruas o seu fado.
Mãos de espuma, de lírio, de açucêna,
Que suplicam perdão p'ra toda a pêna
Que acariciam todo o desgraçado.
Mãos feitas d'alma, estreitas, lindas, breves,
De nenufár.
Mãos macias e brancas e tão leves
Como um véu de noivar.
Mãos erguidas ao Céu em prece branda e calma.
Bocadinhos fugidos da tua alma
Pura e sincera.
Orações que tu rezas num sorriso
Antevendo o Paraíso
Da eternal Primavera.
As tuas mãos são asas de pombinha
Que vai voando á doidinha
Para o pombal.
Mãos que não negam festas a ninguem,
Mãos que nasceram para o Bem,
E não p'ra o Mal.
E as tuas mãos esguias, de princêsa,
Mãos de luar
Têem a côr e a beleza
Da Virgem de marfim do meu altar.
GRITO DE AMOR
AO DR. SOUSA COSTA
Não. É melhor assim. Já me cansei
De ouvir tanta palavra mentirosa.
Cansou o meu amôr, se acaso amei,
Cansou minha alma triste, dolorosa.
Queres partir? Pois vai. Nem já eu sei,
Se com o teu amôr fui venturosa.
Hoje tudo mudou. Foi enganosa
Essa visão de amôr que idealisei.
Dantes chorava muito se partias,
Gritava em vão por ti, dias e dias;
Hoje não choro nem me desespero.
É mentira, — gritei numa ansiedade:
Se me deixas, eu morro de saudade:
Tu bem sabes, Amôr, como eu te quero!
INCERTEZA
Senta-te ao pé de mim. Vem para meu lado.
Que vibre a tua voz em meus ouvidos.
Que eu deixe de escutar os vãos gemidos
Do meu louco viver, tão desgraçado.
Ri-te, meu Bem. Que o teu olhar molhado
Beije meus olhos meigos e vencidos.
Dize-me versos, líricos, sentidos,
Escritos num momento apaixonado.
E ouvindo-te, em meu peito todo amôr,
Dois sentimentos gritam sem cessar,
Querendo-se um ao outro combater.
E eu fico sem saber qual é maior:
Se a ventura sem fim de te encontrar,
Se o receio cruel de te perder.
FRIVOLIDADE
Eu adoro meu espelho de Veneza
De moldura Luiz XV, rendilhada,
Aonde num desejo de beleza,
Me vejo fielmente retratada.
Adoro as rendas de ideal pureza
Tecidas numa espuma delicada.
As plumas brancas, vôos de incerteza,
Levadas pela brisa perfumada.
Detesto o que é postiço e quanto suje:
Lábios cheios de tinta, cremes, rouges,
Cabelos loiros de uma côr 'squisita.
Amo sómente aquilo que é de tom;
E sem olheiras, tintas ou batons,
Adoro tudo o que me faz bonita.
BALADA DOS OLHOS MORÊNOS
Olhos morênos, nublados,
Que seguem angustiados,
O longo trilho da vida.
Olhos morênos de mágoa,
Ás vezes rasinhos d'água
Numa expressão dolorida.
Olhos morênos, brilhantes,
Risônhos como diamantes,
Sôbre um cólo de mulher.
Olhos lindos de ternura,
Mais dôces do que a amargura,
Mais bélos do que o prazêr.
Olhos que dizem amôr
Que têem p'ra toda a dôr
O consolo dum olhar.
Olhos côr da noite escura
Que apesar da sua negrura
Nos vêm encher de luar.
Olhos que pedem carinhos,
De joelhos, pobresinhos,
No altar do sentimento.
Orações de mago encanto,
Rosários feitos de pranto,
Suspiros de desalento.
Os olhinhos de engeitado
Que vai seguindo magoado,
Pelo mundo triste e só,
Se têem a côr morêna,
Porque nos metem mais pêna,
Porque nos causam mais dó?
Olhos morênos são lume
Que têm gôsto e têm perfume,
Que inspira ódio e paixão.
São brasas num rôsto ardente
Que a olhar serenamente
Vão queimando o coração.
Olhos morênos, dolentes,
Ás vezes impertinentes,
Outras vezes desgraçados.
Olhos macios como o arminho,
Que riem sob um carinho,
E beijam quando beijados.
Os olhos dos orfãosinhos
Esmolando p'los caminhos
Carregados de amargôr,
Mendigam festas a alguem,
Pedem carinho de mãe,
Suplicam beijos de amôr.
Olhos negros de carvão
Inspiram mais devoção
Numa alma sonhadôra.
Pois eram doces e puros
Os olhos santos e escuros
Da Virgem Nossa Senhôra.
Tambem são nêgros, tambem
Os olhos de minha Mãe
Cheios de vida e calôr.
E escuros, toda beleza,
Ai! hão de ser com certeza
Os olhos do meu Amôr!
MANHÃ DE SOL
Manhã de Sol! Sorri a Naturêza.
Despertam a cantar os passarinhos.
Manhã de Sol! Que sonho! que belêza!
E que alegria vai dentro dos ninhos!
Manhã de Sol! O cheiro a framboêsa
Casa-se com o cheiro a rosmaninhos.
Nem um ai, uma nota de tristêza...
Até cantam as vélas dos moinhos!
Manhã de Sol! Murmura o arvorêdo.
Gorgeiam pintassilgos no vinhêdo,
Esvoaçam pombas brancas pelo mato.
Manhã de Sol! De Sol, tão bom amigo!
Os homens pelos campos ceifam trigo,
E passam lavadeiras p'ra o regato.
DESEJO
Ás vezes, quando penso nesta vida,
Sinto um desgosto imenso, tão profundo!
Olho p'ra mim, e vejo uma iludida,
Que vagueia´à procura de guarida,
E anda aos trambulhões por êste mundo.
Vejo de nêgro o alto céu risonho;
Vejo sem Sol a minha primavera;
Vejo fugir ao longe, assim, tristonho,
Envolto em densas nuvens, o meu sonho
Feito de luz, de graça e de quimera.
Oh! quem me déra ser como as crianças
Que só vêem no mundo f'licidades.
Em vez de ter desgostos, ter esp'ranças,
Viver num mar tranquilo de bonanças,
Sem magoas, sem tormentos, nem saudades.
Viver a santa vida de inocente,
Sem conhecer sequer uma incerteza.
Viver para sonhar continuamente,
Ser bom como um cordeiro, meigo e crente
Como Jesus no Horto da Tristeza.
Á noite, quando o azul do Firmamento
Se desfizésse em astros d'oiro e luz,
Elevar até Deus meu pensamento,
Pedir resignação no sofrimento,
Que a todos acolhesse á sua cruz.
Como seria bom! Que dôce afago
Viver bem com os homens e com Deus.
Brincar na seára sem fazer estrago,
Rir entre as águas do quieto lago,
Cheio da Lua que anda pelos Céus.
Oh! quem me déra ser como as crianças
Que só vêem no mundo f'licidades.
Em vez de ter desgostos ter esp'ranças,
Viver num mar tranquilo de bonanças,
Sem mágoas, sem tormentos, nem saudades.
SAUDADES QUE MATAM...
Luar da minha vida angustiada,
Suprêma apreensão dos meus cuidados,
Ouve o queixume désta voz magoada,
Ouve os meus gritos meigos e turbados:
Saudades da tua alma perfumada
De perfumes subtis e delicados,
Minha risonha e fresca madrugada,
Meu príncipe de sonhos encantados!
Saudades que me matam lentamente,
Na incerteza dum amôr ausente,
Lembrando-me as venturas que senti...
Ó meu Amôr distante e malfadado!
Ai leva-me depressa p'ra teu lado,
Que eu não quero morrer longe de ti!
HISTORIA ANTIGA
AOS MEUS AVÓS PATERNOS
Nas noites invernais, junto á lareira antiga,
Quando ruge o trovão e tremem as estrelas,
Começa a linda avó, branca vèlhinha amiga,
O seu conto infantil de lindas caravelas.
Os netos, em redôr, escutam silenciosos.
O fogo, no braseiro, agora é mais violento.
De olhos fitos na avó os netos curiosos
Querem-lhe adivinhar o próprio pensamento.
"Era uma vez um rei..." A voz doce d'arminhos
Parece uma oração no bemfadado lar.
Silencio sepulcral que exuste em alguns ninhos
Em noites de perdão, banhados de luar.
Lá fóra o vendaval redobra de violencia.
Soluça a Natureza e choram as estrelas.
E em gritos de pavôr, numa fatal demencia,
Bate o vento feroz nas portas e janelas.
Fugiu a branca Lua e a voz da Tempestade.
Nem sequer uma luz a iluminar os Céus.
Passam raios de fôgo em toda a Imensidade.
Cáem pérolas d'água, as lágrimas de Deus.
Ao longe, no redil, os meigos cordeirinhos,
Num desolado horror balindo angustiados,
Enchem de mêdo a estrada e os lividos caminhos,
Povôam de incerteza os campos e os eirados.
Que noite sem ter fim! que noite sem ter fim!
Mas que tristeza enorme e que febril tormento!
Vergam a soluçar as plantas no jardim,
E o arvoredo treme e estala com o vento.
Quando virá o Sol, o nosso bom amigo,
Encher de vida e côr as penedias cavas?
Quando verei na seára amadurar o trigo,
E a campina a florir cheia de rosas bravas?
*
* *
Ó Deus! tem compaixão dos tristes desgraçados,
Que vagueiam ao frio sem verem um clarão.
Depara-lhes a luz nos montes descampados;
Pai do Céu, dá-lhes Sol! Senhor, manda-lhes pão!
Mas ai! o vendaval redobra de violencia.
Soluça a Natureza e choram as estrelas.
E em gritos de pavôr, numa fatal demencia,
Bate o vento feroz nas portas e janelas.
Lá dentro no casal, junto á lareira antiga,
Cheia de calma e paz, e bençãos que eu nem sei,
A linda e branca avó, santa vèlhinha amiga,
Recomeça a contar: "Era uma vez um rei..."
AINDA NÃO!
Ha muito que procuro, mundo fóra,
Um coração sincero e bem formado,
Que tenha o alvôr do lírio imaculado
E risos juvenis da côr da aurora.
Ha muito eu olho a estrêla redentôra,
Que foge ao longe no meu Céu nublado,
Sonho que traz meu peito angustiado,
Chama que lentamente me devora.
Um dia alguém surgiu na minha estrada.
Entornou na minh'alma uma alvorada,
Floriu-me de quimera o coração.
"É êste!" Murmurei num tom sentido;
Mas, num dia malfadado, ao meu ouvido
Disse o tempo baixinho: "Ainda não!"
TORNAR A CRÊR EM TI?
Tornar a crêr em ti? Voltar ao nosso amôr,
Brilhante como a luz em noite silenciosa?
Tornar a crêr em ti, p'ra ser mais desditosa
E perder a alegria e ter outra vez dôr?
Se pudesses saber as horas de pavôr,
Que passava tão triste a soluçar, receosa,
rezando num gemido uma oração nervosa,
Que ardia como o Sol e me tirava a côr!...
Ser a mesma que fui, amando como autr'ora:
Transformar em tormento a minha linda aurora,
Quando o Amôr afinal é nuvem que se esvai?...
Voltar ao nosso Amôr? Tornar a crêr em ti?
Oh! não vênhas lembrar as mágoas que sofri...
Não queiras revivêr um tempo que lá vai!
A MINHA TERRA
A EDUARDO BRASÃO
Minha Terra, meu bêrço estremecido
Tão pequenina, mas tão alta em glória,
Abres risonha as páginas á história
Com o teu nome honrado e bem querido.
Ó minha Terra! Meu vergel florido!
Nenhum dos teus herois tem morte inglória.
Tens em cada batalha uma vitória!
Deu-te a vitória um hino bem sentido.
Como eu te adóro, ó minha Terra linda!
Quero rezar-te uma oração infinda,
Abraçada ao teu cólo maternal.
Terra! Tu és o assombro das nações;
Minha gloriosa Pátria de Camões,
Ó meu querido e nobre Portugal!
...
CANÇÃO DAS FOLHAS CAÍDAS!
A D. EMILIA DE SOUSA COSTA
Envolvidas na poeira,
A mortalha derradeira
Dos nossos corpos gelados,
Dizemos adeus á vida
Que foi alegre e florida
Em momentos bem fadados.
Já démos sombra e frescura
E embalámos com brandura
A câma fôfa dos ninhos.
Agora os seus moradôres
Deixam-nos gemendo dm dôres,
Sem consôlo e sem carinhos.
Quando um sorriso era a vida,
Uma alegria florida
Em hastes cheias de côr,
Vinham-nos beijar, amantes,
Os arômas perturbantes
Das larangeiras em flôr.
Quando a aurora despontava
E o Sol imenso espreitava
Pela alta penedia,
A nossa voz meiga e quente
Resava ao Omnipotente
Em hossânas de alegria.
Quantas vezes com amôr,
Livrámos o cavadôr
Da ardência do Sol doirado.
E, enquanto êle descansava,
A nossa voz murmurava
Um sussurro apaixonado.
Mas, ó suprêma ironia!
A ventura é fugidia
E acaba em desilusão.
Êsse mesmo cavadôr
Que acolhêmos com amôr,
Pisa-nos hoje no chão.
Que felizes que nós fomos!
E que desgraçadas sômos
Frias, inertes, perdidas.
Quanta dôr e sofrimento
Existe no esquecimento
Das pobres fôlhas caídas!
Tudo morreu para nós!
Perdeu-se o arôma, e a voz,
Toda a luta de vivêr.
Ó triste ilusão dorida!
Para que têmos nós vida,
Se nascêmos p'ra morrêr?
O Sol deixou de fulgir.
Já não sentimos a rir
O seu afago macio.
Ésta vida é uma quiméra:
Nascêmos da Primavéra,
Morrêmos cheias de frio.
Vivêmos com alegria
Bemdizendo a luz do dia
E o sorriso da alvorada.
Hoje, cheias de abandôno,
Dormimos o eterno sôno
No pó branco de uma estrada.
LUA CHEIA
Calai, vento do norte, o vosso belo canto!
Parai, brisa da noite, a vossa vibração!
Suspendei de florir, ó rosas em botão!
E deixai de correr, ó pérolas do pranto!
Que estranha limpidez! Que bemfadado encanto!
A Lua pelo Ceu espalha o seu clarão:
O murmurar de Deus! Tudo é uma oração,
E as corolas das flôr's são relicário santo.
Ó vibrações da Lua, a lâmpada de Deus,
que percorreis, chorando, a vastidão dos Ceus,
Vibrai ainda mais, e mais, e mais ainda!
Fugi, desilusões! eu quero descansar.
A Lua meiga e pura está-me a embalar...
Oh! Deixai-me dormir! a noite está tão linda...
O AMOR
O Amôr é ave doirada,
Que canta de madrugada,
Na primavera da vida.
É Sol que brilha risonho;
É um desejo, é um sonho,
Que traz a alma iludida.
São risos no coração;
São preces com devoção,
Rezadas pelas tardinhas.
São os melros no pomar,
É Jesus sobre o altar,
Manhã cheia de andorinhas.
O Amôr é grito de esp'rança,
É ser mulher, ser criança...
Pranto soluçado a rir.
São folhas sôltas ao vento,
São horas de esquecimento,
Roseira sempre a florir.
ENFIM!
Meu Amôr, meu Amôr! És tu, enfim!
Bemdito sêja Deus, bemdito sêja!
Agora vais vivêr só para mim;
No meu olhar um Sol pra ti lampeja.
Oh! Deixa-me sonhar, meu bem, assim.
A minh'alma singela a tua beija.
Meu Amôr, meu Amôr! És tu, enfim!
Bemdito sêja Deus, bemdito sêja!
Amôr cheio de ideal, cheio de esp'rança,
Que sinto dentro em mim desde criança,
Que sempre tem guiado o meu vivêr.
Puz tanta vida, Amôr, p'ra te encontrar,
Dei tanto coração para te amar,
Que tenho mêdo agora de morrêr!
CANÇÃO DA NOITE
É noite. A Lua espalha o seu clarão bemdito.
Calam-se os rouxinóis, olhando para os Ceus.
Há uma chama d'oiro em todo o Infinito;
Há um torpôr que vence e afoga todo o grito,
E faz 'squecer o mundo erguendo-nos a Deus.
Reza baixinho a fonte em soluçar constante;
O arvorêdo geme a custo com o vento;
Sente-se a nora triste a murmurar distante,
Suspirando talvez a pêrda de um amante
Que p'ra sempre a deixou imersa em sofrimento.
Ó noite silenciosa! Ó noite de agonia!
Noite de calma e paz, sonho dee amôr, beleza,
Noite linda de luz, de dôr e poesia,
Que derramas clarões em nossa fantasia
E enches de silencio a própria Natureza.
Pulsam os corações baixinho, receosos:
Talvez o seu pulsar acorde a viração.
Vêem-se pelo Ceu reflexos luminosos;
Tremem como a chorar os plátanos medrosos...
Há segrêdos de amôr em cada coração.
Suspira de mansinho a brisa passageira,
Distante o rouxinol vôa cantando a mêdo.
Houve uma animação que se toldou ligeira;
Já deixou de ladrar o cão, ao longe, na eira;
E já emudeceu o môcho no penêdo.
Ó calmas de luar! Ó virações dolentes!
Bemdita sejas tu, ó noite silenciosa!
Bemdita a tua luz de vibrações ardentes,
Que faz morrêr de amôr as almas inocentes,
Que faz nascer o goivo e que entreabre a rosa!
RECORDAÇÃO
Ontem á noite, a horas coloridas,
Fui encontrar, deitadas para um canto,
Umas verbênas pálidas, doridas;
Pobres flôres, a quem amára tanto.
Tinha morrido ha muito todo o encanto
Das suas belas fôlhas coloridas:
E agora as pobres fôlhas, cheias de pranto,
Dormiam para ali, como esquecidas.
Flôres tão meigas, inocentes flôres:
Para que vindes recordar-lhe as dôres,
Á pobre da minh'alma penitente?
P'ra quê? p'ra quê? Se eu esquecêr procuro,
P'ra que vindes erguer, ante o futuro,
O espectro do que fui antigamente?
Mas que importa que eu chore o meu passado,
Em pranto lento, amargo, sufocado,
Que importa, se foi Deus que assim o quis?
Agora só me resta uma vontade:
— Vivêr pelo que fui, desta saudade...
Lembrança doutro tempo mais feliz.
CONTRASENSO
A D. BRANCA DE GONTA COLAÇO
Sei lá o que é a vida! Apênas agonia.
Se sei o que é a morte? Apênas uma dôr.
Vivêmos p'ra sentir tristêza ou alegria;
Morrêmos a sonhar ventura ou amargôr.
Esp'ramos o ámanhã, e em nossa fantasia
Esvai-se o dia de hoje em horas sem sabôr.
Vâmos pedir ao Ceu que nos dê outro dia
E vâmos ao altar em graças ao Senhôr.
Lá passa mais um dia, e outro, e outro ainda.
E na fé de vivêr, esp'rança sempre linda,
Assim vâmos tornando os nossos anos masi serenos.
Se ás vêzes, distraída, acaso nisto penso,
Eu fico-me a scismar, ó triste contrasenso!,
Que, sendo um dia a mais, é sempre um dia a mênos.
CIUME
Ontem quando te foste, ias amuado:
Nem me disseste adeus, como é costume.
"Qual é a causa dêsse teu ciume?"
Dizias num tom sério, de zangado.
"Mas porque tens o rosto descôrado?
Vejo os teus olhos a perderem lume.
Se o teu padecimento é infundado,
Qual é pois, a razão do teu queixume?"
És injusto e és ingrato p'ra comigo.
Devias dizer aquilo que te digo,
Aliviando assim a minha dôr:
O Amôr só por si não se resume.
Não amam bem os que não têm ciume,
Pois ter ciume é ter dobrado Amôr.
REFLEXÃO
Quando o vento gemia tristemente
E eu pensava nas dôr's de minha vida,
Senti... não sei o quê de descontente
A dizêr que tua jura era mentida.
Ergui-me semi-louca e arrependida
De te haver escutado ingênuamente,
Nessa hora de suprêma despedida
Em que te dei meu coração ardente.
Queria gritar, corrêr inda a chamar-te
Para me dar's o que não sei tirar-te,
O que te dei inconscientemente.
Mas ai! tinhas partido campos fóra;
Comecei a chorar, sósinha agora,
Quando o vento gemia tristemente.
SAUDADE
A PALMIRA FIGUEIREDO
Saudade é nuvem que se esvai doirada;
Saudade é tudo que uma alma sente;
Saudade é estar alegre, descontente;
É estar contente, estando amargurada.
Saudade é ter a alma alanceada
Por uma dôr terrível e pungente.
Saudade é ter na dôr um ar contente,
É ser feliz, estando desgraçada.
Saudade é ter ventura na desdita,
Rezar baixinho a oração bemdita
Que nos conforta com o seu calôr.
Saudade é ter no peito um sentimento
Que dá tristeza e dá contentamento...
...Saudade é ter-te longe, meu Amôr!
CONTRASTE
Como é dif'rente a dôr da alegria!
A alegria gosta de viver, cantar:
Doira de Sol a nossa fantasia,
Deixando a alma branca de luar.
A dôr, ao vir, traz a melancolia:
O peito geme, deixa de sonhar.
É negra a vida, nêgro o Ceu, o mar...
É tudo escuridão, tudo agonia.
Ó Deus! Porque és assim cuel p'ra nós?
Porque nos dás o sofrimento atróz
De toda essa alegria que é mentida?
Por que razão, eu não compreendo nada,
Se têmos uma hora angustiada,
Levâmos a pensa-la toda a vida?
O LOUCO
A LUÍS VARELA CID
E ria...e ria sempre...e ria mais,
O pobre louco, triste, desvairado,
Com lívida expressão no olhar parado,
Quási sem vida, como os animais.
As unhas finas eram uns punhais,
Esfacelando o peito ensanguentado.
Tinha o cabêlo sôlto, desgrenhado,
A bôca, em convulsões, soltando ais.
Ó, peregrino! Vai buscar na morte
Um lenitivo para a a tua sorte,
Vai corrêr livremente pelo espaço.
Ah! mas o louco não concébe ideáis.
E ria...e ria sempre...e ria mais,
Num gargalhar constante de palhaço.
AMBIÇÃO
A ALCANTARA CARREIRA
Vai-se apagando a luz que eu vi arder
No céu da minha vida luminosa:
Vejo-a fugir ao longe, harmoniosa,
Como um clarão azul de alvorecer.
Vai-se cerrando o meu amanhecer
Num desejo sem fim de ser ditosa.
É quando morre o Sol, que murcha a rosa...
E eu vou vivendo, sem saber viver.
Vejo só noite em tôrno do meu lar.
Vivo sem sonhos, sem saber amar.
Numa ambição febril, incompreendida.
Meu pobre coração quasi descrê:
E vou vivendo sem saber porquê,
Nesta ansiedade que me rouba a vida.
A MAIOR PÊNA
Tudo morreu, tudo acabou, Senhôr!
Que vida, ai! mas que vida de amargura!
Fugiu-me a ilusão duma ventura,
Morreu a esp'rança pura dêsse amôr.
Tudo se foi assim! Que vã tortura
Dentro do coração cheio de dôr!
Agora só me resta a desventura:
Tudo morreu, tudo acabou, Senhôr!
Jámais tu me ouvirás chamar por ti,
Contando-te os tormentos que sofri,
Numa voz triste, cheia de meiguice.
Se me lembro das coisas que contei,
Que saudades cueis eu guardarei
Daquilo que, afinal, nunca te disse!
DEIXA SONHAR
A D. MARGARIDA LORJÓ TAVARES
Nos meus sonhos gentis, de imaculada alvura,
Sempre a mesma visão em doidas gargalhadas,
Vem encher de tristeza a minha alma tão pura
Numa voz de metal, cortante como espadas.
P'ra que vens perturbar essa ideal ventura,
Visão da côr da noite a soluçar risadas,
Que tens no olhar perverso o rijo das nortadas
E no rôsto febril os traços da amargura?
Ó deixa-me sonhar! É tão cruel a vida
Que mostra branca e pura uma alma pervertida
Que torna imundo e vil o branco do luar.
Deixa-me pois sonhar uma ilusão fagueira.
Deixa passar num sonho a minha vida inteira
E chame Deus por mim, sem nunca despertar.
ESPERANÇAS
AOS MEUS AVÓS MATERNOS
Eu hei de ser feliz. A dôr ha de fugir,
Envôlta no seu manto escuro de amargura.
Hei de ter no meu peito uma ilusão a rir;
Na alma ha de cantar a vida a reflorir;
Terei o coração repleto de ventura.
A vida é um beijo, um sonho; a vida é uma quimera.
Quero sentir, viver. A morte é uma ilusão.
Quero encher de lilaz a minha primavera,
Desdobrar no meu peito uma afeição sincera,
O amôr é uma alvorada em cada coração.
Não quero que a amargura, em gesto desabrido,
Venha mostrar-me o fel, o mal, os desenganos.
Hei de achar no prazer um coração florido,
Alegre como o meu, sem sombras dum gemido;
Hão de ter vida e côr os meus dezassete anos.
Eu hei de ser feliz. Cantam os passarinhos,
Ao longe, no pinhal beijados de luar.
Hei de viver de paz, de risos, de carinhos,
Sem conhecer jámais as dôres ou os espinhos:
Viver para sentir, viver só para amar.
A mágoa ha de morrer a soluçar dorida.
Jámais uma ilusão me há de ferir, jámais!
Hei de fazer do amôr o sol da minha vida;
Hei de viver sonhando essa miragem qu'rida
E ao longe ver fugir suspiros, dôres e ais.
Vai acabar o fel, as horas de agonia,
Em que perdia a côr, sósinha, a soluçar.
As noites de tristeza a suplicar o dia,
Com a alma a transbordar de preces de agonia,
Com a esp'rança a fugir, p'ra nunca mais voltar.
Agora vou viver. Viver! Que prazer santo!
Sentir no coração o gôso mais perfeito;
Deixar morrer no olhar as pérolas do pranto;
Achar no sofrimento um bemfadado encanto,
Sonho de luz e amôr a rir dentro do peito.
Deixará de se ouvir o meu soluçar rouco;
Hão de ganhar-me côr as faces desmaiadas;
Deixará de sofrer meu pensamento louco;
Verei a desventura a ir-se a pouco e pouco,
E até a própria dôr a rir ás gargalhadas.
PRIMAVERA
A D. LUTHGARDA GUIMARÃES DE CAIRES
Como chegou risonha a primavera!
Que linda vem, ó como vem garrida!
Vem enfeitar e revestir a ermida
de rosas lindas e de fôlhas de hera.
Ha tanto já que estavamos á espera
Da tua chegada, companheira qu'rida.
Tu vens trazer ao campo amôr e vida,
Tu vens trazer ás almas a quimera.
Cantam cigarras entre os milharais,
E pelo Céu de Abril vôam pardais
Correndo satisfeitos aos seus ninhos.
Repara: o pastorinho está alerta...
Floresce o Sol em cada rosa aberta
E canta a voz de Deus nos passarinhos!
AS TUAS MÃOS
Á HELÊNA DE SOUSA COSTA
Mãos de luar,
Têem a côr e a beleza
Da Virgem de marfim do meu altar.
Mãos de fada, dolentes e nervosas
De unhas brilhantes e da côr das rosas
Do meu jardim.
Mãos imensas em festas e carinhos.
Que espalham goivos, cravos, rosmaninhos,
Nêste Inverno sem fim.
Mãos gemendo ao contacto da amargura
Que pela noite escura
Vai chorando nas ruas o seu fado.
Mãos de espuma, de lírio, de açucêna,
Que suplicam perdão p'ra toda a pêna
Que acariciam todo o desgraçado.
Mãos feitas d'alma, estreitas, lindas, breves,
De nenufár.
Mãos macias e brancas e tão leves
Como um véu de noivar.
Mãos erguidas ao Céu em prece branda e calma.
Bocadinhos fugidos da tua alma
Pura e sincera.
Orações que tu rezas num sorriso
Antevendo o Paraíso
Da eternal Primavera.
As tuas mãos são asas de pombinha
Que vai voando á doidinha
Para o pombal.
Mãos que não negam festas a ninguem,
Mãos que nasceram para o Bem,
E não p'ra o Mal.
E as tuas mãos esguias, de princêsa,
Mãos de luar
Têem a côr e a beleza
Da Virgem de marfim do meu altar.
GRITO DE AMOR
AO DR. SOUSA COSTA
Não. É melhor assim. Já me cansei
De ouvir tanta palavra mentirosa.
Cansou o meu amôr, se acaso amei,
Cansou minha alma triste, dolorosa.
Queres partir? Pois vai. Nem já eu sei,
Se com o teu amôr fui venturosa.
Hoje tudo mudou. Foi enganosa
Essa visão de amôr que idealisei.
Dantes chorava muito se partias,
Gritava em vão por ti, dias e dias;
Hoje não choro nem me desespero.
É mentira, — gritei numa ansiedade:
Se me deixas, eu morro de saudade:
Tu bem sabes, Amôr, como eu te quero!
INCERTEZA
Senta-te ao pé de mim. Vem para meu lado.
Que vibre a tua voz em meus ouvidos.
Que eu deixe de escutar os vãos gemidos
Do meu louco viver, tão desgraçado.
Ri-te, meu Bem. Que o teu olhar molhado
Beije meus olhos meigos e vencidos.
Dize-me versos, líricos, sentidos,
Escritos num momento apaixonado.
E ouvindo-te, em meu peito todo amôr,
Dois sentimentos gritam sem cessar,
Querendo-se um ao outro combater.
E eu fico sem saber qual é maior:
Se a ventura sem fim de te encontrar,
Se o receio cruel de te perder.
FRIVOLIDADE
Eu adoro meu espelho de Veneza
De moldura Luiz XV, rendilhada,
Aonde num desejo de beleza,
Me vejo fielmente retratada.
Adoro as rendas de ideal pureza
Tecidas numa espuma delicada.
As plumas brancas, vôos de incerteza,
Levadas pela brisa perfumada.
Detesto o que é postiço e quanto suje:
Lábios cheios de tinta, cremes, rouges,
Cabelos loiros de uma côr 'squisita.
Amo sómente aquilo que é de tom;
E sem olheiras, tintas ou batons,
Adoro tudo o que me faz bonita.
BALADA DOS OLHOS MORÊNOS
Olhos morênos, nublados,
Que seguem angustiados,
O longo trilho da vida.
Olhos morênos de mágoa,
Ás vezes rasinhos d'água
Numa expressão dolorida.
Olhos morênos, brilhantes,
Risônhos como diamantes,
Sôbre um cólo de mulher.
Olhos lindos de ternura,
Mais dôces do que a amargura,
Mais bélos do que o prazêr.
Olhos que dizem amôr
Que têem p'ra toda a dôr
O consolo dum olhar.
Olhos côr da noite escura
Que apesar da sua negrura
Nos vêm encher de luar.
Olhos que pedem carinhos,
De joelhos, pobresinhos,
No altar do sentimento.
Orações de mago encanto,
Rosários feitos de pranto,
Suspiros de desalento.
Os olhinhos de engeitado
Que vai seguindo magoado,
Pelo mundo triste e só,
Se têem a côr morêna,
Porque nos metem mais pêna,
Porque nos causam mais dó?
Olhos morênos são lume
Que têm gôsto e têm perfume,
Que inspira ódio e paixão.
São brasas num rôsto ardente
Que a olhar serenamente
Vão queimando o coração.
Olhos morênos, dolentes,
Ás vezes impertinentes,
Outras vezes desgraçados.
Olhos macios como o arminho,
Que riem sob um carinho,
E beijam quando beijados.
Os olhos dos orfãosinhos
Esmolando p'los caminhos
Carregados de amargôr,
Mendigam festas a alguem,
Pedem carinho de mãe,
Suplicam beijos de amôr.
Olhos negros de carvão
Inspiram mais devoção
Numa alma sonhadôra.
Pois eram doces e puros
Os olhos santos e escuros
Da Virgem Nossa Senhôra.
Tambem são nêgros, tambem
Os olhos de minha Mãe
Cheios de vida e calôr.
E escuros, toda beleza,
Ai! hão de ser com certeza
Os olhos do meu Amôr!
MANHÃ DE SOL
Manhã de Sol! Sorri a Naturêza.
Despertam a cantar os passarinhos.
Manhã de Sol! Que sonho! que belêza!
E que alegria vai dentro dos ninhos!
Manhã de Sol! O cheiro a framboêsa
Casa-se com o cheiro a rosmaninhos.
Nem um ai, uma nota de tristêza...
Até cantam as vélas dos moinhos!
Manhã de Sol! Murmura o arvorêdo.
Gorgeiam pintassilgos no vinhêdo,
Esvoaçam pombas brancas pelo mato.
Manhã de Sol! De Sol, tão bom amigo!
Os homens pelos campos ceifam trigo,
E passam lavadeiras p'ra o regato.
DESEJO
Ás vezes, quando penso nesta vida,
Sinto um desgosto imenso, tão profundo!
Olho p'ra mim, e vejo uma iludida,
Que vagueia´à procura de guarida,
E anda aos trambulhões por êste mundo.
Vejo de nêgro o alto céu risonho;
Vejo sem Sol a minha primavera;
Vejo fugir ao longe, assim, tristonho,
Envolto em densas nuvens, o meu sonho
Feito de luz, de graça e de quimera.
Oh! quem me déra ser como as crianças
Que só vêem no mundo f'licidades.
Em vez de ter desgostos, ter esp'ranças,
Viver num mar tranquilo de bonanças,
Sem magoas, sem tormentos, nem saudades.
Viver a santa vida de inocente,
Sem conhecer sequer uma incerteza.
Viver para sonhar continuamente,
Ser bom como um cordeiro, meigo e crente
Como Jesus no Horto da Tristeza.
Á noite, quando o azul do Firmamento
Se desfizésse em astros d'oiro e luz,
Elevar até Deus meu pensamento,
Pedir resignação no sofrimento,
Que a todos acolhesse á sua cruz.
Como seria bom! Que dôce afago
Viver bem com os homens e com Deus.
Brincar na seára sem fazer estrago,
Rir entre as águas do quieto lago,
Cheio da Lua que anda pelos Céus.
Oh! quem me déra ser como as crianças
Que só vêem no mundo f'licidades.
Em vez de ter desgostos ter esp'ranças,
Viver num mar tranquilo de bonanças,
Sem mágoas, sem tormentos, nem saudades.
SAUDADES QUE MATAM...
Luar da minha vida angustiada,
Suprêma apreensão dos meus cuidados,
Ouve o queixume désta voz magoada,
Ouve os meus gritos meigos e turbados:
Saudades da tua alma perfumada
De perfumes subtis e delicados,
Minha risonha e fresca madrugada,
Meu príncipe de sonhos encantados!
Saudades que me matam lentamente,
Na incerteza dum amôr ausente,
Lembrando-me as venturas que senti...
Ó meu Amôr distante e malfadado!
Ai leva-me depressa p'ra teu lado,
Que eu não quero morrer longe de ti!
HISTORIA ANTIGA
AOS MEUS AVÓS PATERNOS
Nas noites invernais, junto á lareira antiga,
Quando ruge o trovão e tremem as estrelas,
Começa a linda avó, branca vèlhinha amiga,
O seu conto infantil de lindas caravelas.
Os netos, em redôr, escutam silenciosos.
O fogo, no braseiro, agora é mais violento.
De olhos fitos na avó os netos curiosos
Querem-lhe adivinhar o próprio pensamento.
"Era uma vez um rei..." A voz doce d'arminhos
Parece uma oração no bemfadado lar.
Silencio sepulcral que exuste em alguns ninhos
Em noites de perdão, banhados de luar.
Lá fóra o vendaval redobra de violencia.
Soluça a Natureza e choram as estrelas.
E em gritos de pavôr, numa fatal demencia,
Bate o vento feroz nas portas e janelas.
Fugiu a branca Lua e a voz da Tempestade.
Nem sequer uma luz a iluminar os Céus.
Passam raios de fôgo em toda a Imensidade.
Cáem pérolas d'água, as lágrimas de Deus.
Ao longe, no redil, os meigos cordeirinhos,
Num desolado horror balindo angustiados,
Enchem de mêdo a estrada e os lividos caminhos,
Povôam de incerteza os campos e os eirados.
Que noite sem ter fim! que noite sem ter fim!
Mas que tristeza enorme e que febril tormento!
Vergam a soluçar as plantas no jardim,
E o arvoredo treme e estala com o vento.
Quando virá o Sol, o nosso bom amigo,
Encher de vida e côr as penedias cavas?
Quando verei na seára amadurar o trigo,
E a campina a florir cheia de rosas bravas?
*
* *
Ó Deus! tem compaixão dos tristes desgraçados,
Que vagueiam ao frio sem verem um clarão.
Depara-lhes a luz nos montes descampados;
Pai do Céu, dá-lhes Sol! Senhor, manda-lhes pão!
Mas ai! o vendaval redobra de violencia.
Soluça a Natureza e choram as estrelas.
E em gritos de pavôr, numa fatal demencia,
Bate o vento feroz nas portas e janelas.
Lá dentro no casal, junto á lareira antiga,
Cheia de calma e paz, e bençãos que eu nem sei,
A linda e branca avó, santa vèlhinha amiga,
Recomeça a contar: "Era uma vez um rei..."
AINDA NÃO!
Ha muito que procuro, mundo fóra,
Um coração sincero e bem formado,
Que tenha o alvôr do lírio imaculado
E risos juvenis da côr da aurora.
Ha muito eu olho a estrêla redentôra,
Que foge ao longe no meu Céu nublado,
Sonho que traz meu peito angustiado,
Chama que lentamente me devora.
Um dia alguém surgiu na minha estrada.
Entornou na minh'alma uma alvorada,
Floriu-me de quimera o coração.
"É êste!" Murmurei num tom sentido;
Mas, num dia malfadado, ao meu ouvido
Disse o tempo baixinho: "Ainda não!"
TORNAR A CRÊR EM TI?
Tornar a crêr em ti? Voltar ao nosso amôr,
Brilhante como a luz em noite silenciosa?
Tornar a crêr em ti, p'ra ser mais desditosa
E perder a alegria e ter outra vez dôr?
Se pudesses saber as horas de pavôr,
Que passava tão triste a soluçar, receosa,
rezando num gemido uma oração nervosa,
Que ardia como o Sol e me tirava a côr!...
Ser a mesma que fui, amando como autr'ora:
Transformar em tormento a minha linda aurora,
Quando o Amôr afinal é nuvem que se esvai?...
Voltar ao nosso Amôr? Tornar a crêr em ti?
Oh! não vênhas lembrar as mágoas que sofri...
Não queiras revivêr um tempo que lá vai!
A MINHA TERRA
A EDUARDO BRASÃO
Minha Terra, meu bêrço estremecido
Tão pequenina, mas tão alta em glória,
Abres risonha as páginas á história
Com o teu nome honrado e bem querido.
Ó minha Terra! Meu vergel florido!
Nenhum dos teus herois tem morte inglória.
Tens em cada batalha uma vitória!
Deu-te a vitória um hino bem sentido.
Como eu te adóro, ó minha Terra linda!
Quero rezar-te uma oração infinda,
Abraçada ao teu cólo maternal.
Terra! Tu és o assombro das nações;
Minha gloriosa Pátria de Camões,
Ó meu querido e nobre Portugal!
...
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